PROPÓSITO E VALORES
Ter um ótimo produto e atendimento não é mais o suficiente no mercado, que demanda cada vez mais o propósito e valores de empresas e gestores
A vocação empreendedora no Brasil, considerada defasada no passado, evoluiu consideravelmente na última década. Em 2020, alcançou o seu maior recorde: 25% da população adulta do país está envolvida na abertura de um propósito de novo negócio ou de iniciativas com até 3,5 anos de atividades, segundo análise da série histórica da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) – ou Monitoramento de Empreendedorismo Global.
A crise sem precedentes por causa da pandemia do novo coronavírus ajudou a alavancar esses números, devido ao chamado "empreendedorismo por necessidade" na busca por renda.
PERCEPÇÃO DE VALORES
De qualquer forma, é fato que a cultura mudou, tamanha a quantidade de startups, novos estabelecimentos e ideias surgidas no país. E, mesmo com mais iniciativas e informações sobre como acertar no negócio, 21% das novas empresas quebram no primeiro ano de funcionamento no Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O problema para que isso ocorra não mora apenas nas falhas de gestão, mas em algo amplo: o propósito! Mas o que é o propósito? É basicamente a razão de existir das empresas além do fazer dinheiro.
“É entender o objetivo do meu negócio. Se eu tenho ou quero ter uma cafeteria: você vende o café pelo café ou você quer oferecer algo a mais para que as pessoas tenham vontade de voltar, algo com que se identifiquem?”, indaga a estrategista em branding pessoal Camila de Aguiar.
Camila trabalha ajudando pessoas e empresas a tomarem consciência de suas marcas pessoais e da percepção de valores da marca.
Em um artigo “Propósito: Uma revolução na gestão de empresas e marcas”, no blog da Troiano Branding, uma das maiores empresas de branding do Brasil, há a sugestão do empreendedor perguntar a si mesmo e ter uma resposta clara e distinta para a pergunta: “se a sua organização desaparecesse hoje, o que o mundo perderia?”
O QUE O PROPÓSITO NÃO É
O artigo esclarece ainda que propósito não é um adendo. É algo entranhado em tudo o que a empresa faz e diz. Propósito não é uma iniciativa isolada, momentânea ou oportunista. Propósito não é “eu/nós também”, algo como “nós também protegemos o meio ambiente”.
Propósito é, sim, uma maneira única que a empresa escolhe para organizar sua contribuição para o mundo. Propósito é algo que todos os colaboradores da empresa respiram no seu dia a dia.
“FAZER COM O CLIENTE, E NÃO PARA O CLIENTE”
Gigantes como Starbucks e Coca-Cola envolvem as pessoas em um propósito mais abrangente. O designer de estratégias sociais Mark Boncher acredita que grande parte desse sucesso é alcançado por uma estratégia comum utilizada pelas corporações: o propósito compartilhado!
Para ele, é importante fazer com que os consumidores se sintam realmente conectados com a marca, sendo parte do desenvolvimento dela, como fator determinante para que ela atinja maior sucesso.
Os consumidores atuais estão mais interessados nas empresas que trazem consigo um conceito de fazer com o cliente, no lugar de fazer para o cliente, tornando-o, assim, parte da construção da marca e também de seus propósitos e ideais.
- 80% dos consumidores estariam dispostos a pagar mais por um produto ou serviço se a marca aumentasse o preço em troca de ser mais ambiental e socialmente responsável ou de pagar salários mais altos a seus funcionários
- 15% disseram que estariam dispostos a pagar mais de 25% de aumento para isso
- Empresas baseadas em ideais superam em até 400% o faturamento das demais
Pesquisa realizada em 2019 com consumidores dos Estados Unidos, do Reino Unido, da China e do Brasil pela empresa global Deloitte
Negócios com propósito definido crescem, em média, três vezes mais rápido que seus concorrentes e ainda alcançam maior satisfação tanto do cliente quanto dos funcionários
ATRAIR E RETER TALENTOS
Ter o propósito claro também reflete positivamente nos colaboradores de uma empresa. Estudo da Harvard Business School, realizado em 2019, indica que 90% dos funcionários de companhias cujo objetivo é claro se sentem mais motivados no trabalho.
Camila comenta: “Deixar clara a cultura da empresa possibilita que os colaboradores se tornem promotores da marca e tenham vontade de disseminar o que ela faz. E isso só é possível quando elas realmente entendem o porquê de estar ali”.
Na sua experiência profissional, a estrategista de branding vem notando que, na pandemia em curso causada pelo novo coronavírus, intensificou-se o movimento de pessoas que buscam um maior sentido no trabalho, que querem sentir que o que fazem é de fato útil para a sociedade.
“Há mais ênfase em se conectar com os valores da empresa, para que eles não conflitem com os seus princípios pessoais. As pessoas buscam cada vez mais evoluir, ter prazer no que fazem e se orgulhar de onde trabalham. E não só ganhar um salário no fim do mês”, salienta.
Além disso, seus líderes costumam ter uma marca pessoal forte e um posicionamento claro, ou seja: são reconhecidos pelo seu nome e seus feitos, seja qual for a empresa que dirijam. “Quando isso ocorre [marca pessoal forte], as duas esferas ganham: o líder e a empresa. Quanto mais forte é a marca de um líder, maior é a da empresa", conclui.
Camila de Aguiar
Estrategista em branding pessoal
CASE DE SUCESSO: A NECESSIDADE QUE VIROU PROPÓSITO
Isso pode acontecer quando o negócio surge para resolver uma necessidade pessoal, algo bastante comum no empreendedorismo: é o exemplo da Mr. Veggy, marca de congelados vegetarianos criada em 2001 pelo casal Tércio e Maria Sílvia Falcão, ele engenheiro de alimentação e ela, cozinheira.
O negócio surgiu para ajudá-los com a alimentação da filha, Mariana, que, então com 18 anos, tornou-se vegetariana. Hoje CEO da empresa, Mariana reformulou o negócio e incluiu receitas 100% vegetais, mas sem o uso de soja e transgênicos, observando uma necessidade que ela mesma sentia como vegetariana, e aproveitando uma tendência de mercado.
Em seis anos, o número de vegetarianos no Brasil mais que dobrou, passando de 14 milhões de pessoas para 30 milhões. É o que aponta a pesquisa feita pelo Ibope no início de 2019, encomendada pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB).
Na linha da valorização cultural, a chef Angélica Moreira criou o restaurante Ajejum da Diáspora – comida de resistência, em Salvador (BA). Fenômeno histórico e social, a diáspora africana se caracterizou pela imigração forçada de homens e mulheres daquele continente para países que exploravam a mão de obra escravizada.
A chef, que começou o restaurante em um Carnaval por acaso, hoje foca o cardápio em receitas típicas africanas e afro-brasileiras, visando à valorização da cultura negra. O seu espaço é tão relevante à causa que já recebeu nomes como a ativista americana Angela Davis.
Falar com a sociedade, e não apenas com o consumidor, é uma das maneiras de transmitir o seu propósito e deixar um legado, seja qual for o tamanho do empreendimento. Diferente do posicionamento de marca, que é relacionado com a venda do produto para um determinado consumidor, o objetivo central da empresa que segue o seu propósito é conversar com o ser humano.
VOCÊ CONHECE A TÉCNICA DO CÍRCULO DOURADO?
Criado pelo especialista em liderança Simon Sinek, o Círculo Dourado (Golden Circle) é uma metodologia extremamente simples, mas causa um impacto positivo no desenvolvimento do propósito e de novas ideias. Foi desenvolvido para sistematizar um novo método de pensar, agir e comunicar com o intuito de criar impacto no mundo.
O método consiste em responder a três pontos: “por quê?”; “como?”; e “o quê?”. Começar pelo “por quê?” vale tanto para os pequenos como para os grandes negócios, para as ideias quanto para as startups, tanto para o universo das entidades sem fins lucrativos como para a política. Que tal procurar o seu?