OPINIÃO: JUROS ALTOS, INFLAÇÃO E UM PAÍS DESIGUAL: POR QUE É NECESSÁRIO CALIBRAR MELHOR

Por Belmiro Gomes, CEO do Assaí 

Usam-se juros altos para conter a inflação. Pode haver debate sobre a intensidade e o momento, mas ninguém discute a necessidade de queda quando o juro real está entre os mais altos do mundo — algo nocivo para as finanças públicas, as empresas e, principalmente, os mais endividados. Hoje, quase 80% das famílias brasileiras declaram ter algum tipo de dívida, e cerca de um terço está com prestações em atraso, segundo a CNC.

Segundo dados da Anbima e do Banco Central, os brasileiros têm cerca de R$ 7 trilhões aplicados em produtos financeiros, enquanto o estoque de dívidas das famílias passa de R$ 4 trilhões. Em um ambiente de juros altos, isso significa que, de um lado, uma parte da população recebe juros sobre um volume gigantesco de ativos; de outro, milhões de famílias pagam juros caros sobre um estoque também gigantesco de dívidas. Num país de desigualdades sociais extremas como o Brasil, olhar a inflação pelo todo, como se todas as classes reagissem e fossem impactadas de forma semelhante, pode não ser a melhor métrica.

Falo a partir de uma posição de quem vivencia o dia a dia do brasileiro: o Assaí atende mensalmente mais de 40 milhões de pessoas de todas as classes sociais, além de milhares de micro e pequenos negócios; e emprega mais de 90 mil pessoas.

Nas lojas, a economia aparece sem filtro. Em décadas trabalhando no setor alimentar, raramente observei tamanha diferença entre o consumo das classes A/B e os das C/D/E. Em 2025, por exemplo, formatos de varejo que atendem a alta renda ainda registram crescimento de volumes, enquanto negócios focados na baixa renda enfrentam queda próxima de dois dígitos no volume vendido (dados Nielsen, 3T25). Não é apenas o fato de a alta renda consumir mais (isso sempre oc orreu), mas a diferença na trajetória recente: o topo cresce, a base encolhe.

Parte do que falta no carrinho foi consumida pelos juros altos, que viraram renda nos extratos mais elevados. Esse desbalanço não é saudável nem para o crescimento, nem para uma convergência mais rápida da inflação. No dia a dia do varejo, dá para resumir assim: juros altos viram, ao mesmo tempo, “navalha e fermento” no consumo. Navalha, porque cortam renda disponível e tiram itens da base endividada. Fermento, porque ampliam a renda financeira de quem tem aplicações e sustentam (ou até expandem) o consumo no topo.

Este é o ponto central: parte dos efeitos do juro alto pode manter a inflação mais resistente. Como? A renda financeira concentrada sustenta o consumo de serviços — exatamente onde a inflação é mais rígida. O alto custo financeiro pressiona estoques e o capital de giro, vira repasse de preços e desestimula a oferta. O crédito caro às famílias (e novas modalidades ainda mais onerosas) reduz a renda disponível na base, sem derrubar a pressão de serviços no topo.

Resultado: resiliência no topo e compressão na base. A proposta, portanto, não é “afrouxar”: é medir melhor para decidir melhor. Complementar o diagnóstico com lentes por faixa de renda e cortes que isolem a componente pró-juro da inflação. Em outras palavras: olhar a inflação “descontada” da parcela que o próprio juro está causando para não prolongar o remédio além do necessário. Juros compatíveis com o dinamismo da economia reduzem desigualdades, fortalecem o consumo essencial e sustentam um crescimento mais amplo e saudável.

Trata-se de evitar que parte do juro se transforme em combustível da própria inflação — e que o preço disso seja pago, de forma desproporcional, por quem tem menos. 

Este artigo foi originalmente publicado nas edições impressa e digital do jornal O Globo de 21/12/2025.

 

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